Publicado em 15/11/2012 20:25
Cerca de 200 pessoas ligadas Movimento de Moradia (MDM) ocuparam na madrugada desta quinta-feira (15), juntamente com outra organização, o Movimento Moradia para Todos (MMPT), um prédio de dez andares na Rua Sete de Abril, 355, região central de São Paulo. Após entrarem no prédio, a Polícia Militar cercou o local e tentou retirar os ocupantes usando gás de pimenta. Mesmo assim, o movimento resistiu e permanece no prédio.
Por Deborah Moreira, da Redação do Vermelho
A polícia deixou o local por volta das 9 horas da manhã. Até o momento do fechamento da matéria os ocupantes permaneciam no local, mas estavam em alerta. Para a grande maioria presente na ação, que aconteceu por volta das 1h30 e durou cerca de 40 minutos, foi a primeira participação em uma ocupação de imóvel promovida por movimentos sociais.
“As primeiras 48 horas após uma ocupação são cruciais. A polícia pode agir em flagrante nas primeiras 24 horas, mas há interpretações diferentes da lei que podem se estender por mais tempo. Por isso ficamos em alerta mais tempo. Já conversamos com um dos proprietários, são sete donos do imóvel, que pediu para retirar seus pertences e já avisou que entrará com reintegração de posse”, declarou Denis Veiga Júnior, advogado do MDM, que faz parte da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam).
O Vermelho conversou por telefone com o proprietário mencionado que se identificou como Eduardo e confirmou a informação. Ele disse, ainda, que o imóvel já havia sido considerado pelo município como Habitação de Interesse Social em 2010 e foi desapropriado. Questionado sobre o porquê de o imóvel estar fechado, sem ocupar espaços, ele contestou: “Temos quatro comércios funcionando na sobreloja e os outros andares precisam de reforma. Temos no quarto e no quinto andares um escritório. Não sei porquê ocupar agora se o imóvel já está nessa situação de desapropriação”.
O movimento encontrou no prédio algumas mesas, cadeiras e papéis de escritório, que deverão ser entregues para o proprietário assim que ele disponibilizar caixas de papelão para serem embalados. Mas, a maior parte da área do prédio está sem utilidade. “Isso caracteriza abandono. Não sabemos há quanto tempo, mas pelo menos há uns 3 anos está desta forma. O proprietário até nos confidenciou que pretendia vender a um grande empreendimento, antes de ser desapropriado. Imóvel vazio, no centro, tem muito mais valor”, explicou Denis.
Quando perguntado sobre a venda a especuladores, Eduardo desconversou e pediu para encerrar a conversa. Ele também não respondeu há quanto tempo o imóvel estaria vazio.
Concentrando para ocupar
Eram 22 horas quando as primeiras famílias que iriam participar da ocupação começaram a chegar. O ponto de encontro era o número 176 da Rua Sete de Abril, prédio de 11 andares ocupado pelos movimentos desde o dia 26 de outubro, por cerca de 300 pessoas. Homens, mulheres, idosos e crianças. Mas a maioria é formada por mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, com e sem filho, grávidas.
A diarista Maria Regina Miguel, 46 anos, é uma delas. Moradora da zona sul, Maria Regina nunca havia participado de algo semelhante. Ao relatar sua situação, se emociona: “Moro de favor com uma conhecida minha. Mas ela me deu prazo para desocupar a casa. Por isso estou aqui, para eu ter o que é meu, ter o meu canto e não ficar de favor na casa dos outros. Tenho filhos casados, mas moram de aluguel e não podem me ajudar. E ainda tenho dois filhos menores de 10 e 14 anos e uma filha de 18 anos com um neto meu de nove meses. Tenho que confiar que vai dar tudo certo”, disse a faxineira que não tem renda fixa e está movimento há cerca de quatro meses.
Duas mulheres também estavam à frente da operação, organizando as pessoas e explicando a estratégia da ocupação a todos. Somente mochilas leves nas costas eram permitidas de serem levadas. Mochilas e pertences muito volumosos eram deixados (posteriormente eles serão entregues aos donos no novo endereço).
Uma delas é Nilda Neves, coordenadora geral do MDM. “Não esquenta. Depois todo mundo vai se misturar. Isso aqui é uma ação rápida, sem a gente ver quem é amigo, parente, quem é pai. Agora é ocupar. Depois a gente resolve”, falou Nilda a uma mulher que procurava por conhecidos em meio a ação. Enquanto Nilda dava orientações, a outra mulher fazia a contagem e triagem de quem iria. Pessoas mais idosas e mulheres com crianças pequenas foram mantidas no número 176.
Todos foram organizados em uma espécie de fila nas escadarias para deixar o local juntos, em grupo, no momento da ocupação. Encostada na parede, em pé em um dos degraus da escada que dá acesso aos andares, uma mulher visivelmente apreensiva, de olhos arregalados, esticava o pescoço para alcançar a vista mais adiante. “Estou muito nervosa. É a primeira vez que participo. Mas otimista”, declarou Evanir, 36 anos, que mora no Ipiranga com a família e preferiu não dar detalhes sobre sua situação.
“Pessoal, vamos ocupar um imóvel aqui na rua mesmo. Eu vou ficar na porta, quando falar corre, todo mundo corre atrás de mim. Vamos ver quem corre mais. Não pode correr aqui dentro para não atropelar ninguém, tem criança e gente idosa aqui e tem que ter cuidado nas escadas”, exclamou Nilda, instantes antes da mobilização.
Concorrência
O objetivo inicial do Movimento de Moradia e do MMPT era protagonizar seis ocupações em uma ação seguida da outra, numa só noite, madrugada adentro. No entanto, o mais inesperado fato nesse tipo de mobilização aconteceu: outro movimento social escolheu as mesmas data, horário e região para realizar ocupações.
Isso fez com que, instantes antes de mobilizar a todos, integrantes saíssem para uma espécie de reunião de emergência para definir novos locais e estratégias. Depois de rodar pelas ruas e avenidas do centro, em dois carros de passeio, o grupo parou e chegou a conclusão que dois locais seriam alvos: o da Sete de Abril e um segundo nas imediações da Avenida São João, cujas pessoas que ocupariam seria transportadas em três carros, fazendo duas viagens cada um, totalizando 24 ocupantes, a maioria homens.
“Não é necessário um grupo maior que isso. É um prédio pequeno, mas pelo jeito teremos muito trabalho porque está em péssimo estado de conservação, não sabemos o que podemos encontrar lá dentro”, declarou um dos integrantes da coordenação do MDM.
Posteriormente, esse segundo prédio acabou não sendo ocupado por conta da grande movimentação feita pelo outro grupo que agiu no mesmo momento, em um prédio próximo ao local, o que acabou chamando a atenção de policiais que patrulhavam o bairro.
Na hora agá a Polícia
De volta ao 176 da Sete de Abril, todos já estavam sendo organizados para a ocupação do número 355 da mesma rua. No momento em que estavam todos concentrados, prestes a ocupar, um grupo de cerca de 15 pessoas entra no prédio para uma outra reunião rápida para preparar a segunda ocupação.
Neste instante, enquanto os que chegavam e subiam para os andares superiores, causando tumulto no pequeno hall de entrada do prédio e no início das escadas estreitas, onde muitos se aglomeravam numa fila, dois carros da Polícia Militar estacionaram em frente ao local, o que acabou mudando os planos da equipe temporariamente.
“Agora ferrou-se. Por causa do outro movimento [que também estava ocupando prédios], eles fizeram muito barulho. Ferrou-se tudo, a polícia está aqui em frente. Tá aqui no prédio e pedindo pra abrir o portão. Tem uma de nós lá conversando com eles pra ver se despista”, disse Nilda ao telefone com outro integrante.
Rapidamente todos que lotavam a portaria, carregados de mochilas, são orientados a subir em silêncio pelas escadas. Tudo para não chamar a atenção. Depois de cerca de 20 minutos, os policiais foram embora e toda a dinâmica para a ação foi restabelecida. Começava efetivamente a ocupação.
Moradia com sustentabilidade
Para a Conam não basta um espaço físico para morar, é preciso ocupar e reaproveitar os espaços que já existem e estão abandonados. A Conam defende a moradia sustentável, que ofereça infraestrutura local como escolas, hospitais, saneamento básico e que contemple a questão da mobilidade urbana.
“A ocupação é uma oportunidade para muitos conquistarem moradia. Essa é a forma que nós temos para pressionar por esse direito. É preciso proporcionar condições em imóveis como esse abandonado, que devem IPTU, e que pode ser aplicado o IPTU progressivo, previsto pelo estatuto da cidade. Então pra quê construir casa na periferia, longe dos equipamentos sociais, sem infraestrutura adequada, se podemos aproveitar o que já está construído em uma área que tem mais condições”, declarou Bartíria Lima da Costa, presidenta da Conam, presente na ocupação da Sete de Abril, 176, instantes antes da ação.
Bartíria, que também é membro do Conselho Nacional das Cidades, comentou que a eleição de Fernando Haddad (PT) para a Prefeitura da cidade deverá representar um avanço na habitação popular. “Com o governo mais democrático, acredito que terá um olhar mais social. Mas, não é por isso que o movimento está ocupando. Sempre ocupou. Nos últimos anos, temos tido uma repressão muito grande, uma reintegração de posse muito acelerada e muitas das vezes os movimentos são criminalizados, principalmente no estado de são Paulo”, comentou a liderança.
Ela completou lembrando que “não há moradia para famílias com até três salários mínimos porque não dá lucro esperado pelos especuladores”, por isso as construtoras e empresários do setor atendem a demanda acima desse teto. Essa faixa de renda é uma das contempladas pelo programa do governo federal Minha Casa MInha Vida, que beneficiou mais de um milhão de famílias na primeira fase. Agora, o governo pretende ampliar para dois milhões.
Capacitação técnica
Bartíria lembrou que o atual programa habitacional do governo é resultado de uma luta de oito anos que começou com o crédito solidário e com o Fundo Nacional de Habitação e Interesse Social (Finis). “Discutimos todos os critérios com o Ministério das Cidades que vem sendo aperfeiçoado. A expectativa é que se aperfeiçoe, seja mais flexível, para que os movimentos possam acessar os recursos para construções para essas famílias de zero a três salários mínimos”, disse a presidenta da Conam. “Defendemos que elas devem pagar pela moradia, mas pagar um valor justo.”
Para tanto, será necessário que se aperfeiçoe os mecanismos de repasse para sanar as deficiências técnicas. “As entidades não estão tecnicamente preparadas. É uma coisa nova. A autogestão era feita em pequena escala. Com o Minha Casa Minha Vida passamos a ter uma escala maior, é preciso um processo de profissionalização e aprimoramento do processo. Nosso gargalo, além de não termos quem queira construir para quem possui renda de zero a três salários [mínimos], é a falta de terreno em áreas mais centrais. Normalmente os terrenos são afastados e concorremos de igual para igual com as grandes construtoras”, expôs Bartíria.
Um estudo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgado no primeiro semestre de 2012, revelou que 62% das famílias paulistanas não têm condições de comprar uma casa ou apartamento próprio por conta dos valores altos, incompatíveis com a renda, muitas vezes difícil de ser comprovada, altas taxas de juros e escassez de imóveis para a população de baixa renda.
Segundo o levantamento, 33% das famílias brasileiras são sem-teto ou não têm moradia adequada – sem título de propriedade, com paredes feitas de material frágil como papelão, piso de terra e falta de redes de água tratada e esgoto. Já o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica que 43% das moradias brasileiras são consideradas inadequadas.
“O que rege o setor é a especulação imobiliária. Com isso, somado à falta de terrenos para construção na cidade, acaba encarecendo as unidades habitacionais. Portanto, as construções horizontais são a alternativa mais utilizada, sempre aproveitando ao máximo os espaços e voltado a famílias com poder aquisitivo maior”, lamentou Bartíria.
Segundo dados de 2009, do Sindicato da Construção Civil, o estado de São Paulo é o que tem maior déficit estadual absoluto, de 1,127 milhão de moradias.
Fonte: Portal O Vermelho
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